O que a gravidez de minha filha tem a ver com os humanos e o consumo de drogas?
TUDO, na medida em que considero as circunstâncias envolvendo o nascimento de minha neta: a vida, a alegria, a renovação, a esperança, a transgeneracionalidade. Desta perspectiva, não haveria lugar para outra coisa em sua vida que não fosse amor. Se pudesse imaginá-la como uma Jabulani[1], ela seria cheia pelo melhor de cada um de nós; suas faltas e falhas seriam tão pequenas…, insignificantes quase, não fosse a importância das faltas na malha de nossa subjetividade. Tantas Marias, Paulas, Anas, Pedros e todos os nomes, terão nascido e nascerão nestas circunstâncias!.
Ocorre que, pelo final da gravidez de minha filha, sua mãe adoeceu e tivemos de cuidar de duas situações extremamente significativas para os humanos: de um lado a reinvenção da vida e do outro, os temores da doença a e ameaça de morte. Uma frase, contudo, resolveu a questão: “não posso morrer, tenho minha neta para cuidar…”. Aquela criança era a Vida de todos nós; não havia, naquele momento, lugar para morte.
E o Pelourinho?
Volto àquela gravidez, talvez a quarta daquela mulher, sem assistência, ocorrida naquele quarto dividido em duas pequenas metades por um velho lençol esburacado e sujo, suspenso por um fio… uns dormiam, outros ouviam os ruídos, todos os ruídos, como me disse Gey Espinheira, “não há intimidade na miséria, tudo se expande, tudo é comum e coletivo”. Aquele filho seria mais um filho da tristeza, da falta de esperança; para ele não havia a expectativa da alegria; só a expectativa da sobrevivência. Aquele João-Antonio-José, nasceria sob o signo da falta de possibilidades. Sua plenitude estaria muito próximo da dor e da morte!
E o que isto tem a ver com o consumo de drogas? Tudo!
Tudo, se admitirmos que cada humano consumirá esta ou aquela droga, na medida de suas necessidades subjetivas e sociais. Não são as drogas que fazem os humanos – já foi dito – mas são os humanos que fazem as drogas, ou, se dissermos de outro modo, em função dos buracos/faltas que constituem a estrutura de nossas histórias. Alguns de nossos filhos terão pequenos espaços para as drogas em suas vidas; outros filhos nossos encontrarão mais facilmente nas drogas a possibilidade de suportar o horror da exclusão pelo nascimento. Entre uma história e outra, há todas as possibilidades – a vida é mobile. Nossos nascimentos não são garantias inelutáveis de destino, mas portam a semente do que poderemos ser.
Neste sentido, o uso de drogas será, sempre, indiscutivelmente, uma questão humana.
[1] Nome dado à bola utilizada no Campeonato Mundial de Futebol, ocorrido em junho/julho de 2010, na África do Sul.